sábado, 13 de abril de 2013

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domingo, 10 de fevereiro de 2013

A ESPERA DA AURORA: POR UM CRISTIANISMO PARA O AMANHÃ

A ESPERA DA AURORA: POR UM CRISTIANISMO PARA O AMANHÃ
[JEAN DELUMEAU, EDITORA LOYOLA,  2007]


Por: Telma Mingoni
Preparação e edição de texto: Silvania Silveira     



       O objetivo dessa resenha é o de fazer uma análise crítica sobre o conteúdo do Capítulo III (“Vertiginosa odisséia”) do livro acima intitulado. O estudo de Jean Delumeau é muito rico em abordagens, citações a outros e considerações pertinentes a realidade do cristianismo primitivo e a suposta decadência do atual. Entretanto, escolhemos este capítulo devido aos questionamentos do autor sobre a pertinência científica da rejeição da transcendência formulada pelo neopositivismo. Observamos neste capítulo, que o autor estabelecendo o “estado das coisas” do cristianismo contemporâneo, e, corajosamente, adentra no âmago do enigma do mal, mas, sobretudo, ressalta a realidade da prática do bem pelos cristãos, realidade esta que constantemente é ocultada pela mídia e pelos pensadores.






CONSIDERAÇÕES GERAIS

O livro, A espera da aurora – por um cristianismo para o amanhã, tece considerações e levanta críticas a favor e contrárias ao cristianismo, mais especialmente ao catolicismo. O autor demonstra com riqueza de argumentos a permanência do mistério cristão e a absoluta necessidade de os fundamentos das mensagens cristãs tornarem-se críveis na sociedade secularizada contemporânea. Observa que o cristianismo soube se adaptar às condições mutáveis do tempo, como nenhuma outra religião o soube e, após estabelecer o “estado das coisas” do cristianismo no mundo atual, questiona a pertinência científica da rejeição da transcendência formulada pelo neopositivismo. Corajosamente, o autor entra no âmago do cristianismo e aborda o enigma do mal. Entretanto, ressalta a realidade do bem no cotidiano e critica a mídia e os filósofos por ocultá-la.  Dirige um apelo direto às “autoridades” da Igreja, para que não se fixem “em falsos problemas exegéticos”, mas que estejam “abertos” para construírem uma base ecumênica duradoura. Justifica sua fé com argumentos sólidos, acredita ser possível um entendimento entre as diversas Igrejas Cristãs e, através de um intercâmbio religioso, propagar-se e preservar-se, até “o amanhã”, a mensagem dos evangelhos fundada nos ensinamentos de Jesus.
Enfim, o autor consegue cumprir o objetivo geral do livro.  De fato, podemos crer que as portas do futuro ainda estão abertas para cristãos e não-cristãos, pois, os ensinamentos de Jesus podem ser integrados à atual civilização laica, científica ou técnica. Em sua crença construtivista, Jean Delumeau procura transmitir sua esperança no futuro do cristianismo e se coloca, como tantos cristãos, à espera da aurora, que certamente há de vir.

Capítulo III: “Vertiginosa odisseia!”
         Neste capítulo, o autor apresenta, fundamentalmente, questionamentos sobre a pertinência científica da rejeição da transcendência formulada pelo neopositivismo. Para tanto, ele apresenta, com riqueza de dados científicos, as razões que levam tanto leigos quanto religiosos e a alguns cientistas ao “maravilhamento” diante da complexidade e da grandeza da “Criação” do universo e do homem:
[...] Afirma-se hoje a existência de mil bilhões de galáxias [...] nossa Via Láctea, cujo diâmetro é de aproximadamente 300 mil anos-luz, pode conter bilhões de estrelas que gravitam em torno de seu centro. Nosso sistema solar descreve na galáxia uma trajetória circular em 250 milhões de anos. Milhares de bilhões de cometas gravitam em torno do sol [...] O corpo humano é formado por uma centena de bilhões de células. No núcleo de cada célula 23 pares de cromossomos determinam o conjunto de características de um indivíduo. O cromossomo é uma fita dupla [...] composta de aproximadamente 100 mil moléculas de DNA [...] A pesquisa sobre o sequenciamento do genoma humano [...] mobilizou, durante dez anos, milhares de pesquisadores de seis países diferentes. E isso para estabelecer o ordenamento de uma molécula que, caso fosse desdobrada, mediria 1,8m de comprimento: o DNA humano. O detalhe de nossas moléculas, escreve France Quéré, conta a glória de Deus. (Grifo nosso) (pp. 48-49)
            Referindo-se às considerações do padre Martelet (1997), Delumeau explana: Como não sublinhar também que nosso cérebro é uma ‘maravilha biológica’? Pois uma verdadeira galáxia se aloja sob a abóbada craniana: uma centena de bilhões de neurônios separados uns dos outros por bilionésimos de metro e que se comunicam entre si por meio de ’sinapses’, ou pontos de contato [...] que se estima em um milhão de bilhões o número de sinapses no ‘labirinto neuronial’ do homem adulto. (p. 49)
         Como, pois, não se maravilhar frente aos prodígios que a natureza multiplica cotidianamente desde o infinitamente grande até o infinitamente pequeno? – questiona o autor – são maravilhas tão surpreendentes por sua pequenez quanto as outras por sua extensão. Em concordância com Fr. Quéré, Delumeau pensa que a ciência contemporânea vive uma “vertiginosa odisseia  quando procura se aproximar ao máximo do instante do big bang, quando ela recua incessantemente os limites do universo e quando ela se insinua cada vez mais profundamente no interior do átomo e do genoma. Prevalece, por um lado, a convicção de boa parte das pessoas que “a ciência tirou de Deus a posse de sua criação”; por outro lado, alguns cientistas respondem que “tudo que a ciência parece retirar de Deus ela o dá à sua obra”. Sobre tal afirmação, o autor relembra um versículo dos Salmos que afirma: “os céus contam a glória de Deus”.
         Sobre a “criação e sua origem”, o autor estabelece um contraponto entre a visão da religião e a da ciência. Segundo ele, as teorias da evolução afastam o modelo de “um deus relojoeiro que prevê todas as coisas detalhadamente e constatam que as variações individuais e hereditárias não são necessariamente adaptadas a priori a uma situação ou a um fim particular”. Sobre as narrativas bíblicas da Criação, após as teorias da evolução (que atribuem ao homem uma origem animal), torna-se impossível tomar essas narrativas ao pé da letra. Ademais, o próprio termo “Criação” tornou-se ambíguo. Por outro lado, o ele considera que é possível distinguir os termos “explicação” e “significação. A explicação cabe à ciência enquanto a significação pode ser dada pela religião. Pois bem, o universo começou com o tempo e o tempo faz parte da criação, como o espaço e a matéria também o fazem. Porém, embora a ciência se esforce em voltar ao máximo possível para os primeiros momentos do tempo, chegando a certo ponto, ela se choca com uma barreira insuperável: a ciência não pode dizer nada sobre o aquém ou sobre o que está fora do tempo, conforme a explicação de Delumeau. Assim, ele questiona: “O que impede, então, de pensar em conformidade com a narrativa bíblica que fora do tempo e do espaço da matéria, havia o ‘já estava lá’ de Deus, este sendo a fonte e a origem da criação?”. Na razão do autor, Deus não pode ser visto simplesmente como um oleiro ou um relojoeiro, mas sim como um artista. Deus não é fixado em sua obra, ao contrário, continua a acompanhá-la. “Ele chama, suscita, utiliza as possibilidades abertas”, logo,  “de certa maneira ele pode ser apresentado como advindo a si mesmo”.
Remetendo-se às exposições de B. Sesboué (1999), Delumeau afirma: “A criação, portanto, não está concluída. Ela tem a sua origem em deus, que continua presente e que a dirige rumo a um destino que a ciência não tem a vocação de definir, porque ele permanecerá sempre fora de seu alcance”. Contrária a esta afirmação, Delumeau cita a “visão ateísta” de Jacques Monod (1970): “O universo não estava prenhe de vida, nem a biosfera prenhe do homem. Nosso número saiu no jogo de Monte Carlo. O homem sabe que está sozinho na imensidão indiferente do universo no qual ele emergiu por acaso. Não mais que seu destino, seu dever não está escrito em lugar algum. Ele tem que escolher entre o Reino e as trevas” (p. 56). Ainda a cerca da “criação e sua origem”, Delumeau não poderia deixar de citar Darwin e seus correlatos na teoria do acaso; assim, ele expõe sua crítica:

Apontando para as imperfeições do mundo vivo, Darwin havia salientado as suas “esquisitices” e as soluções estranhas que nenhum Deus racional, segundo ele julgava, teria utilizado. Quinhentos milhões de espécies animais não desapareceram durante os tempos geológicos? Na trilha de Darwin, François Jacob observa que a natureza age como um bricoleur e não como um engenheiro. Ela ‘recupera tudo o que está ao alcance de sua mão, os objetos mais heteróclitos, pedaços de fios de madeira, velhos papelões que eventualmente podem lhe fornecer materiais. [...] Há 65 mil anos, desapareceram definitivamente os grandes répteis da era mesozóica e 75% das espécies então existentes. Essa extinção maciça é atribuída à queda de um meteorito em Yucatán, no México. [...] A catástrofe ecológica que se seguiu teria sido provocada pela poluição atmosférica consecutiva ao impacto do meteorito, talvez agravada por erupções vulcânicas. Belo exemplo, ao que parece, da ação do acaso no desenrolar da história da vida. Essa era, com efeito, a opinião de S.J. Gould (1998), que escrevia: ‘Quem quer que sejamos, devemos nossa existência a uma série de acasos que se produziram na história da vida desde a origem. Para os que pensam que há razões para crer em um plano pre-estabelecido que conduziria necessariamente ao aumento da complexidade e ao aparecimento do homem, digo apenas que os grandes esquemas da história contradizem amplamente essa teoria’. (pp. 56 e 57)

Mas afinal, “o que é o acaso?” - indaga Delumeau refutando as afirmações acima - “diante delas”, observa, “devemos manter a cabeça fria”.[..] “Segundo Einstein, falar de acaso é simplesmente admitir uma ignorância, pois ‘Deus não joga dados’. Além disso, mesmo nos jogos ditos de azar, o acaso permanece limitado. [...] Nos jogos de dados, estes são cubos de seis lados, cada um deles com um número que o distingue dos outros lados. O jogador joga o dado, mas a ‘natureza’ faz o cubo girar”. “Segundo a fórmula de J. Arnould” - continua o autor - “o acaso é a combinação ou o encontro de fenômenos que pertencem a séries independentes na ordem da causalidade”. Desta “fórmula”, pode-se inferir que, por exemplo, a força do vento faz uma telha cair sobre um pedestre que por ali passa, apenas por acaso.            Entretanto, graças a um artigo escrito por um físico e, basicamente ao trecho transcrito pelo autor, pode-se compreender melhor esse fenômeno do acaso: “A descrição completa dos fenômenos flutuantes é frequentemente impossível, há uma grande tentação em se crer que eles estão ligados à desordem e ao acaso. [...] Mas essa desordem pode ser apenas aparente e traduzir nossa incapacidade de discernir a ordem na complexidade”. Após tantas citações e observações sobre as “teorias do acaso”, o autor considera mais didático explanar sobre “uma inteligência em ação no universo”. Assim, ele inicia uma reflexão sobre “o acaso e a necessidade”. A partir daí, tece suas considerações sobre o nascimento da vida, sobre a inteligência que projeta e acompanha a natureza e o homem em seu habitat: “Ela (a vida) pode ser resultado de uma cadeia de coincidências e de uma série de acontecimentos de probabilidade absurdamente pequena? [...] As concordâncias entre os estados físico-químicos do meio terrestre com as múltiplas e estritas condições necessárias ao surgimento da vida são excessivamente numerosas para serem explicadas pelo acaso”. Retoma, aqui, uma conclusão que ele havia apresentado em um de seus livros (Cet que je crois): “... a natureza, que, sob determinados pontos de vista, dá a impressão de ser perdulária, opera de maneira muito econômica a partir de um número limitado de materiais básicos. Por outro lado, ela dá provas de inesgotável engenhosidade quando se trata de combiná-los. ‘Bricolagem cósmica’, garante François Jacob”. (F.Jacob, Le jeu des possibles, 93, op. cit. Delumeau: 2000, p.60)
         Delumeau prossegue afirmado que a vida é inteligente e que muitos acidentes ocorrem durante a reprodução celular. Por exemplo, um filamento pode se romper ou se unir a outros ou os genes se misturarem uns com os outros... “Ora” - ironiza- “os reparos estão previstos por toda uma série de mecanismos e que se um reparo não dá certo outro tipo de reparo tomará seu lugar!” Infere-se daí que a vida é autocriativa e inovadora, porque ela cumpre espontaneamente o seu sistema de forma que jamais havia sido feito antes dela; a vida sintetiza “os elementos por meio dos quais se expressam sua espontaneidade e sua autonomia funcionais”. Então, lança-se outra questão: “É preciso afirmar que, ao fazer isso, ela (a vida) não possui nenhum projeto?” (p. 61). Apoiando-se em Claude Bernard, Delumeau transcreve um trecho de Introduction à l’étude de La medecine expérimentale: “O físico e o químico podem rejeitar toda idéia de causas finais nos fatos que eles observam: enquanto o fisiologista é levado a admitir uma finalidade harmônica e preestabelecida no corpo organizado no qual todas as ações parciais são solidárias e geradoras umas das outras”. (p. 62)
         Jacques Arnould, já citado anteriormente, acrescenta à ideia acima com a  afirmação do biólogo Van Brueke: “No fundo, a finalidade é uma dama sem a qual nenhum biólogo pode viver, mas com a qual ele tem vergonha de andar em público” (p. 62). Concluindo, Delumeau escreve: “O embrião que vai se tornar um bebê no ventre materno e cujas células se diferenciam progressivamente e se agrupam para formar um coração, um cérebro, braços e pernas, não realiza um programa, isto é, um projeto? Não recusemos o bom senso: o olho é feito para ver, e o ouvido para ouvir. Cada um que tire as conclusões que quiser. Mas não é irracional nem contrário à ciência perceber na fonte do universo e através das múltiplas contingências e inflexões que marcaram em seu percurso o rio da vida um projeto global que designa uma meta”. (pp.62-63)
Para encerrar essa “ odisseia” empreendida pelos biofísicos e os defensores das narrativas bíblicas, concordamos com o autor de A espera da aurora, um cristianismo para o amanhã, quando ele levanta mais uma questão: “Por que então não manter a ideia lançada por vários físicos de que as propriedades da matéria são de tal ordem que a vida era uma conseqüência necessária e que as leis às quais está submetido o universo a obrigaram, por meio de erros de percurso e reajustes, a gerar a vida e... o homem?”.

Considerações Finais:
O livro a que nos foi indicado, A espera da aurora, um cristianismo para o amanhã, é rico em dados estatísticos, em citações relevantes de outros estudiosos da religião e cientistas, o que o torna um tanto complexo para nosso parco conhecimento e capacidade de abstração. Assim, a tarefa de resumir ou elaborar uma resenha de todos os onze capítulos e comentar apenas um deles nos foi bastante trabalhosa, difícil mesmo. Por outro lado, esse trabalho trouxe-nos o prazer intelectual de aumentar nosso conhecimento sobre o tema; trouxe-nos a certeza de que, como todo estudioso da teologia, é necessário abrir a mente para outras visões sobre o Cristianismo, sobre as narrativas bíblicas, sobre Deus, sobre Jesus e o Evangelismo, senão a nossa.
Esse livro de Jean Delumeau trouxe-nos, sobretudo, a esperança no futuro do Cristianismo; não uma esperança baseada apenas em uma fé religiosa, alienada e cega, mas fundamentou a esperança que já tínhamos com dados concretos, diríamos, com provas cabais de que o Cristianismo é movimento, é adaptação às condições do tempo e do espaço, como nenhuma outra religião do planeta conseguiu sê-lo.Amparado em razões “sérias”, digo, dados estatísticos, depoimento de mártires perseguidos e violentados, citações científicas, Delumeau procurou demonstrar, neste livro, que “as portas do futuro ainda estão abertas”, e, aos não cristãos, que a mensagem extraída dos ensinamentos de Jesus (transmitidas pelos apóstolos, pelos Evangelhos) pode se integrar tanto à civilização laica quanto aos defensores da ciência ou da técnica. O autor constrói, assim, uma esperança densa, maciça, como quem mobiliza uma multidão de fiéis cristãos a se juntarem em um só pensamento à espera da aurora que, certamente, está para chegar.

domingo, 13 de maio de 2012

Tempo do vento

Tempo do vento

O que me consola
ao passo que desola
é saber que passa o tempo;
pai do vento
amigo do senso
carrasco do lento.


O que me consola
ao tempo que desola
é saber que o tempo passa;
tempo leal
tempo real
tempo fatal.


Magnânimo tempo!


Silvania Silveira



domingo, 26 de fevereiro de 2012

ANÁLISE CRÍTICA DO FILME (ANIMÊ)



“A VIAGEM DE CHIHIRO”
       Silvania Silveira  e 
Karolline kawarara 
UNINOVE/São Paulo/Dezembro/2008



Há uma concordância geral em que mitos e contos de fadas nos falam na linguagem de símbolos representando conteúdos inconscientes. Seu apelo é feito ao mesmo tempo à nossa mente consciente e inconsciente, a todos os seus três aspectos- id, ego e superego – e também à nossa necessidade de ideais do ego. Isso o torna muito eficaz; e, no conteúdo dos contos, os fenômenos psicológicos íntimos são corporificados em forma simbólica.
[ Bruno Bettelheim, in A psicanálise dos contos de fadas.]



ANIMÊ :  O QUE SIGNIFICA?

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 (アニメ, Anime? por vezes escrito Animé) é o nome dado à animação japonesa. A palavra Anime tem significados diferentes para os japoneses e para os ocidentais. Para os japoneses, anime é tudo o que seja desenho animado, seja ele estrangeiro ou nacional. Para os ocidentais, anime é todo o desenho animado que venha do Japão.
 Alguns Autores afirmam que Anime veio da palavra inglesa Animation (Animação), outros afirmam que veio da palavra francesa Animée (Animado).
     Na Língua portuguesa existem duas variantes para esta palavra: anime ou animê. A palavra anime não precisa ser lida como oxítona. Na língua japonesa não existe diferenciação entre paroxítonas e oxítonas, causando uma dificuldade na tradução para o português. 


A RELAÇÃO ENTRE O ANIMÊ E O MANGÁ
           
     Geralmente, quando um mangá alcança sucesso considerável de vendas no Japão, ele é transformado em anime; e se o anime também obtiver êxito, é  traduzido e distribuído a outros países, e, eventualmente, diversos produtos são relacionados à produção (bonecos, videogames, revistas etc.) começam a ser oferecidos ao público. Porém, há também casos em que a ordem se inverte. Temos os exemplos do Neon Genesis Evangelion, cujo mangá foi produzido após o sucesso da série de tevê; o Dragon Quest, que inicialmente era um jogo; e o Pokémon (Pocket Monsters, no Japão) que foi criado como um jogo, a partir do qual foi produzido um anime e depois um mangá.

HISTÓRICO DAS ORIGENS
      Com a ocupação dos Estados Unidos, no fim da Segunda Guerra Mundial, muitos artistas japoneses tiveram contato com a cultura ocidental e, influenciados pela cultura pop dos Estados Unidos, desenhistas em início de carreira começaram a conhecer os quadrinhos e desenhos animados na sua forma moderna. Havia, inclusive, negociantes que contrabandeavam rolos de filmes americanos, desenhos da Disney e outros. Entre os principais artistas que se envolveram com a tal arte, estavam Osamu Tezuka, Shotaro Ishinomori e Leiji Matsumoto. Estes três jovens, mais tarde, foram consagrados no mercado de mangá.
            Na década de 1950, influenciados pela mídia do ocidente, diversos artistas e estúdios começaram a desenvolver projetos de animação experimental. Nessa  época, quando o mangá reinava como mídia,  nasceram os pioneiros animes de sucesso: Hyakujaden (“A Lenda da Serpente Branca”) estreou em 22 de outubro de 1958, primeira produção lançada em circuito comercial da Toei Animation, divisão de animação da poderosa Toei Company e Manga Calendar, o primeiro animê especialmente feito para televisão, veiculado pela emissora TBS com produção do estúdio Otogi em 25 de junho de 1962, que teve duração de dois anos.
            Logo em seguida, em 1 de janeiro de 1963, é lançado Tetsuwan Atom, também conhecido como Astro Boy, baseado no mangá de Osamu Tezuka, já com a estética de personagens de olhos grandes e cabelos espetados vinda da versão impressa. Astro Boy acabou tornando-se o propulsor da maior indústria de animação do mundo, conquistando também o público dos Estados Unidos. Tezuka era um ídolo no Japão e sua popularidade lhe proporcionou recursos para investir em sua própria produtora, a Mushi Productions. Outras produtoras investiram nesse novo setor e nasceram clássicos do anime como “Oitavo Homem” (Eight Man), “Super Dínamo” (Paa Man), mas ainda com precariedade e contando com poucos recursos, diferente das animações americanas.
          Segundo Alexandre Nagado,
"... em 1967 surge o primeiro anime com grande projeção fora do Japão, Speed Racer (Mahha Go Go Go, 1967), que apesar de produção pobre, se destacava por ângulos de cena inovadores e muita criatividade nas histórias. Não por acaso, virou sucesso no mundo inteiro e até hoje é muito cultuado. Neste ano estrearam 14 séries, sem contar os desenhos que já estavam em produção anteriormente. Dentre os clássicos daquele ano, “A Princesa e o Cavaleiro” (Ribbon no Kishi) e “Fantomas” (Ogon Batto) marcaram época também por suas trilhas sonoras de nível cinematográfico. No cinema, o número de produções era menor (apenas quatro, em 1967), mas foi aumentando aos poucos.
Na década de 1970, houve uma grande explosão de títulos. Além de animes para crianças pequenas (Kodomo) e outros para meninas (Shoujo), ocorreu também uma grande febre de desenhos com robôs gigantes (Mecha), graças ao sucesso de Mazinger Z (1972), criação do desenhista Go Nagai e grande sucesso entre o público infanto-juvenil. Com diversos títulos para serem vistos na televisão em episódios semanais, muitos sendo exportados para outros países e com algumas obras sendo lançadas nos cinemas, o animê mostrava que tinha chegado para ficar."

            Nos anos 70, os studios Tatsunoko, criadores de Speed Racer, criaram um título chamado Gatchaman, que no Ocidente foi chamado de Battle of the Planets, que fez sucesso no mundo como anime, assim como o próprio Speed Racer.
            Alguns dos animes mais conhecidos atualmente são: Pokémon, Yu-Gi-Oh!, One Piece, Sailor Moon, Dragon Ball Z, Naruto, Bleach, InuYasha, Cavaleiros do Zodiaco ou Saint Seiya, Sakura Card Captors, Digimon, Shaman King, Elfen Lied, Evangelion, Death Note, Yu Yu Hakusho, Samurai X e Speed Racer


CARACTERÍSTICAS: ESTILÍSITICA
           
            Os animes apresentam características bastante distintas, como o uso de uma direção de arte ágil, enquadramentos ousados, muito movimento de cena e a abordagem de temas variados, como por exemplo, ficção científica, aventura, terror, infantil, romance, etc. É bastante comum, mesmo nas produções infantis, se encontrar situações de humor adultas.        Há também na animação japonesa grande presença de personagens bem-humorados, mesmo que alguns tenham uma conotação homosexual.

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            As duas características são reflexos da cultura japonesa, onde não há muita distinção entre homossexuais com heterossexual. Mas fora deste contexto, como aqui no Ocidente, essas ações acabam por ser muitas vezes mal interpretadas, levando em muitos casos à censura e adaptação de personagens (o que torna o anime de certa forma chato de se assistir, pois o mudam tanto que não se reconhece mais este).
Em muitas produções podemos conferir caracterizações exageradas de sinais visíveis de sentimentos. Alguns exemplos seriam:
  • Gota de água que aparece do lado do rosto do personagem representando constrangimento.
  • Dentes e chifres aparecendo repentinamente nos personagens representando raiva ou maldade.
  • Diminuição súbita do personagem representando vergonha.
  • Nervos estilizados na testa de um personagem, também representando raiva. 




Desing dos personagens

  • Os olhos: geralmente muito grandes, muito bem definidos, redondos ou rasgados, cheios de brilho e muitas vezes com cores chamativas, como vermelhos, rosa, laranja, roxos, dourados ou simplesmente uma bolinha preta sob fundo branco. Essa técnica foi introduzida por Osamu Tezuka, para que, desta forma, pudesse conferir mais emoção aos seus personagens. São considerados uma das partes fundamentais e mais expressivas de um personagem, pois os olhos podem tomar várias formas e feitios, de modo a expressar o humor e a personalidade do personagem. Uma das características mais conhecidas do desenho japonês é o tamanho dos olhos. A razão mais provável dessa característica é a influência de desenhos antigos da Disney, e a crença japonesa de que "os olhos são a janela da alma".
animamundi
O cabelo: há de todas as formas, tamanhos, volumes e penteados, sempre cheios de fitas, lacinhos e afins, e, claro, cores, que vão desde o rosa, ao vermelho, ao azul, verde e roxo. Existem séries que optam também por cores "reais", como castanho, loiro, ruivo. Os garotos, geralmente, possuem cabelos "espetados"; há também muitos personagens masculinos de cabelos compridos, quase sempre com franja.
  • O corpo: na maioria das vezes, escultural, às vezes até demasiado escultural, e cheio de pormenores. (ou magro demais como alguns animes e mangás da CLAMP)
  • As roupas: sempre muito coloridas e com design cheio de imaginação. Muitos mostram um personagem sempre usando a mesma roupa, pois esse é um modo de caracterizá-lo. É também muito comum a utilização dos trajes tradicionais japoneses, como quimonos, independentemente do tipo de história.
  • A personalidade: os personagens costumam ter personalidades muito bem elaboradas, ricas, cheias com as mais diferentes e variadas características, independentemente de cada situação e personagem.
  • A voz: também é um elemento muito importante numa personagem. Estas são selecionadas de acordo com a personalidade dos personagens. Vozes muito poderosas, infantis, estridentes, harmoniosas ou cavernosas fazem parte do universo de qualquer anime, e os dubladores (ou seiyu) são alvos da admiração de muitos fãs.


TIPIFICAÇÃO

Por formato: No Japão, os animes são lançados em três formatos:
  • Série de televisão: transmitido pela televisão aberta ou paga, e geralmente, com o fim da série há o lançamento do DVD ou VHS. Comparado com filmes e OVAs a qualidade da imagem pode ser muitas vezes menor por ter um orçamento distribuído em um grande número de episódios. Muitos títulos apresentam 13 ou 26 episódios com duração de 23 minutos. Na maioria das vezes, possuem créditos iniciais, créditos finais e cenas curtas que anunciam o início e o fim do intervalo comercial.
  • Filme: exibidos em cinemas e, mais tarde, lançados em DVD, ou, em alguns casos, em canais pagos. Geralmente apresentam a qualidade de vídeo e o orçamento mais alto. Muitos animes são unicamente lançados em filmes. No entanto, há casos em que os filmes são na verdade uma edição minimizada da série de televisão.
  • OVA ou OAV: sigla de Original Video Animation é o anime produzido para ser vendido em DVD e VHS e não para ser exibido na tevê como uma série. Assim como filme, depois de algum tempo, o OVA pode passar em canal fechado também. Normalmente são mais curtos que os filmes e possuem mais de um episódio.
  
Por gênero: Há vários termos japoneses que definem gêneros tanto do anime como do mangá:
  • shoujo: são voltados para um público feminino jovem.
  • mahou shoujo: caracterizados por garotas com poderes mágicos.
  • shounen: são voltados para um público masculino jovem.
  • seinen: animes voltados para adultos e adolescentes masculinos.
  • josei: animes voltados para adultos e adolescentes femininos.
  • kodomo: japonês para "criança", são voltados para crianças menores.
  • mecha: animes caracterizados por robôs gigantes.
  • ecchi: japonês para "indecente". O nome origina-se da leitura da letra H em inglês. Contém humor sexual bem moderado.
  • hentai: japonês para "tarado" ou "pervertido", usado para descrever animes pornográficos. No entanto, no Japão os termos usados são Poruno ou Ero.
  • kemono (animais)
  • futanari (hermafroditas)
  • rorikon (crianças - adolescentes femininos)
  • shotakon (crianças - adolescentes masculinos)
  • yaoi (homossexualidade masculina)
  • shounen-ai: romance entre personagens masculinos.
  • yuri (homossexualidade feminina)
  • shoujo-ai: romance entre personagens femininos.
  • ero (adultos): no oriente Ero é conhecido como Hentai, assim, Hentai é o conhecido Ero.

 Os termos seguintes não são gêneros propriamente ditos, mas características bastante presente em tais desenhos:
  • bishounen: termo japonês para "garoto bonito", termo geral que pode ser usado para descrever qualquer anime caracterizado por meninos e homens bonitos.
  • bishoujo: termo japonês para "garota bonita", pode ser usado para descrever qualquer anime caracterizado por meninas e mulheres bonitas.
            Outros gêneros paralelos aos ocidentais são: aventura, ação, ficção científica, comédia, desporto, drama, fantasia e romance.
            Dentre os gêneros, há ainda os temas que se repetem várias vezes: colegiais, demônios, artes marciais, magia, terror. 




OS FATORES ESTRUTURANTES DA OBRA


A Viagem de Chihiro, de Hayao Miyazaki
Sen to Chihiro no kamikakushi, Japão, 2002


  Hayao Miyasaki nasceu na cidade Akebono-cho, distrito Bunkyo-ku, Tóquio, Japão, em 05 de janeiro de 1941.
    Entre 1944 e 1946, a família de Miyazaki mudou-se para a cidade de Utsunomiya, e posteriormente para a cidade de Kanuma em Tochigi, onde sua família tinha uma fábrica de aviões. De 1947 a 1952, o Miyazaki estudou em três escolas diferentes. Os três primeiros graus foram na escola da cidade de Utsunomiya, cursou o quarto grau na escola Omiya, em Suginami-ku, Tóquio, e finalmente na escola Eifuku cursou o quinto grau, onde se formou. Terminou seus estudos na escola Toyotama. Entrou na Universidade de Gakushuin no curso de Economia e se junta a uma escola de literatura infantil. Em 1963, Miyazaki se formou na universidade com graduação em Ciência Política e Economia. 
         Sua mãe, uma senhora rígida e intelectual, sofreu de tuberculose espinhal de 1937 a 1945 (quase nove anos) onde os primeiros anos ele ficou no hospital.                                             
        Com muito esforço, perseverante e determinado, tornou-se um dos mais importantes criadores de animação de todos os tempos. Diversos críticos consideram “Meu Vizinho Totoro”, uma autobiografia, por conter elementos e sentimentos sintetizados a partir de sua adolescência, no âmbito do acompanhamento sofrido de sua mãe.  Totoro tranformou-se em verdadeira celebridade no Japão. Há brinquedos, estampas em vestuários diversos e também em materiais escolares.
     Miyazaki começa seu trabalho na Toei Douga ou Toei Animation. Passa por um treinamento de três meses. Seu primeiro trabalho foi “Watchdog  Bow Wow”, e logo depois foi deslocado para a primeira série de TV da Toei, “Wolf Boy Ken”. Morou num apartamento em Nerima-ku (perto de Tóquio). Recebia apenas 19.500 ienes e gastava cerca de 6.000 ienes com aluguel. Talentoso, é convidado para conduzir e dirigir os animadores da casa. No outono de 1965, oferece ajuda a Takahata, responsável pela equipe de produção de Prince of the Sun. Casa-se com Akemi Ota, chefe dos animadores de Prince of the Sun.

SUAS OBRAS:
  • Nausicaã, A Princesa do Vale Vento”, 1983
  • “Meu Vizinho Totoro” (Tonari no Totoro), 1988
  • Kiki Delivery Service”, 1989
  • “Sen to Chihiro No Kamikakushi” em japonês romanizado, ou em ideograma japonês original 千と千尋の神隠しou em inglês “Spirited Away” ou em português “A Viagem de Chihiro”, 2001.
     Segundo Miyazaki, Chihiro, a protagonista e personagem do longa “A Viagem de Chihiro”, é uma reprodução original de uma garota de 10 (dez) anos, mimada, a partir da observação comportamental da filha de um amigo.
Com “A viagem de Chihiro” ganhou o Oscar de Melhor Filme de Animação em 2003; foi indicado ao Cesar, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro; ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim; o governo francês o homenageou com o Officier des Arts et des Lettres.
     Extremamente comprometido com o seu trabalho, apesar de ter anunciado sua aposentadoria várias vezes, devido estar doente, continuou seu trabalho e assim terminou o filme “A Viagem de Chihiro”.

PRODUÇÃO LITERÁRIA:
            Segundo Miazaki, o filme foi baseado na lenda oriental que diz respeito a uma cidade onde os espíritos, os deuses e os monstros vão descansar de vez em quando após suas cansativas tarefas, e qualquer ser humano que entre nessa cidade é castigado tendo que trabalhar para os deuses ou é transformado em animal.
            “A Viagem de Chihiro” baseia-se nessa lenda.
            O cenário do filme “A Viagem de Chihiro” foi baseada no “Setonaikai Kokuritsu Koen” , um famoso parque japonês abandonado, cuja foto esta como anexo.
Miyazaki dedica o filme a um grupo de meninas amigas suas. Crianças sonhadoras, de bom coração, frágeis, mas possuidoras de muita coragem - (foto como anexo).
            “A Viagem de Chihiro” é um dos poucos filmes do gênero "anime kodomo" (animação japonesa para crianças), criado para a sua sensibilidade e para fazê-los sonhar, tal como os filmes da Disney.
            O título original de “A Viagem de Chihiro”, em japonês romanizado é "Sen to Chihiro no Kamikakushi". "Sen" significa mil ou muitos, "Chihiro" quer dizer pato grande e "kamikakushi" é um termo que se usa sobre algo que desaparece como por encanto.
            As fuligens foram criadas a partir de bolinhas de lã negra, uma espécie de pom-pom com olhos, boca, perninhas e bracinhos, animadas. (Ver fotos anexas)
            O trem fantasma foi uma reprodução de um trem japonês. Também há foto como anexo.

            
A OBRA E O FENÔMENO LITERÁRIO
           
            Conforme Nelly Novaes Coelho, o fenômeno literário é o produto da imaginação criadora do homem e se caracteriza por ser simultaneamente abstrato e concreto.  É abstrato, porque é gerado por idéias, emoções, experiências sensitivas de várias naturezas. É concreto, porque tais experiências só têm realidade efetiva quando transformadas em linguagem ou em palavras. Estas, para serem manifestas, precisam de um suporte físico, “para existirem como fenômenos; isto é, para se comunicarem com seu destinatário e também para perdurarem no tempo”. [COELHO, 2000: 64]
            Na civilização ocidental, via de regra, esse “suporte físico” tem sido o papel impresso (livro, revista, folheto, etc.), onde a criação literária adquire consistência de corpo verbal e se torna acessível aos leitores. Mas, com a evolução da tecnologia, temos nos dias atuais um série de mídias que tem sido suporte físico para a difusão e preservação da Literatura. Um deles é o filme, um filme de desenho animado.  E é esse suporte físico, veículo de comunicação da matéria literária, que estudaremos nesse trabalho.

A obra, na concepção do autor:
            A Viagem..., disse Miyazaki, é um filme para meninas de 10 anos; nele, elas podem ser Chihiro, surpreendida em um mundo onde bem e mal, ao contrário de outros tipos de filmes infantis, não existem em separado. Um mundo, aliás, onde não se pode apontar bem e mal, mas ações e interesses. É nele que a menina mimada – as cenas iniciais dela no carro dos pais indicam isso – precisa aprender a se virar; no final (feliz), quando ela finalmente consegue voltar para seu mundo e sua família, foi ela que mudou, não o mundo. A casa de banhos de Yu-baaba continua no mesmo lugar. Yu-baaba, aliás, mesmo sendo antagonista, não é uma vilã no sentido exato do termo. Chihiro então cresce, aprende que vida não é estar debaixo da saia de sua mãe e o mais importante, talvez: passa por tudo isso e continua Chihiro, não se torna Sen.

A efabulação
“Yubaba governa os outros roubando-lhes os seus nomes.”
Em 2002 um filme de Miyazaki que merecia uma distribuição alargada foi estreado em cinemas de circuito alternativo. Com uma renovada sutileza temática e um novo traço nas personagens, a fantasia moderna Spirited Away (Sen to Chihiro no Kamikakushi, 2001; The Spiriting-Away of Sen and Chihiro) conta o que sucede a Chihiro quando ela e os pais se perdem e investigam um suposto parque temático abandonado. Um rapaz (Haku) em roupagens arcaicas japonesas aparece por instantes para avisar Chihiro, “Sai antes que anoiteça”. Mas, seduzidos por um festim sobrenatural, os pais de Chihiro transformaram-se literalmente em gigantescos porcos; e fantasmas começam a povoar as ruas que mergulham em escuridão. Na sua senda para libertar os pais, Chihiro perde o seu nome para a maléfica bruxa Yubaba e torna-se uma escrava de limpezas num “salão de banhos onde oito milhões de deuses podem descansar os seus ossos cansados.” Um finalista do prêmio Hugo de 2003, Spirited Away já tinha recebido um outro prêmio merecido, o Oscar da Academia para Melhor Filme de Animação (em competição com Ice Age, Lilo and Stitch, Spirit: Stallion of the Cimarron, e Treasure Planet).
O mosaico de cores e formas que o autor criou  transformam A Viagem de Chihiro em uma experiência singular. A casa de banhos em que Chihiro trabalha e as figuras que passam lá são de uma riqueza visual única, uma riqueza que não compromete delicadeza ou beleza. Em cada plano do o autor extrai da animação toda a sua potencialidade, faz uso com todo o seu poder de fascinação que cria mundos e seres inimagináveis, terríveis e maravilhosos.


SINOPSE:
 “A Viagem de Chihiro” é um filme do cinema moderno que conta a história de uma menina de 10 (dez) anos, mimada, caprichosa, crente de que o mundo gira em torno dela.
Rumo à nova casa, triste por deixar suas lembranças e amigos para trás, em viagem com seus pais, Akio (seu pai) perde-se ao entrar por um atalho e depara-se com uma construção, cuja entrada é guardada por uma estátua, aparentemente um Daruma (símbolo de perseverança, flexibilidade e determinação). Um provérbio japonês é intimamente associado ao Daruma: “Nana Korobi Yaoki” (Caia sete vezes, levante oito).

“O lendário Bodhidharma um sábio hindu que viveu em alguma época do século V ou VI foi o fundador do Zen Budismo. É considerado o introdutor do Zen na China. Zen Budismo é o termo usado no Japão, mas a filosofia do Daruma chegou antes na China, onde floresceu e foi chamada de Chan Budismo. Apenas séculos depois, se desenvolveu no Japão, onde é chamado de Zen Budismo. Há outras lendas sobre este sábio. A mais conhecida diz que ele atingiu o estado de satori “Iluminação” após meditar em uma caverna por sete anos (alguns dizem nove anos), sem piscar ou mover seus olhos. Outras lendas contam que ele estava virado para a parede do templo Shorinji, na China. Durante esses anos de meditação, seus braços e pernas atrofiaram, encolheram e caíram. Há uma lenda onde o Bodhidharma corta suas pálpebras . Aparentemente, ele cochilou durante a meditação e, num ataque de raiva, cortou suas pálpebras, que caíram no chão e germinaram como a primeira planta de chá verde da China”. Lenda do Daruma. Aliança Cultural Brasil Japão, 2008-12-01.

Akio sugere uma expedição. Yuko, submissa, acompanha o marido e Chihiro reluta para não ir. Ignorada, decide acompanhar os pais... Rumo a uma viagem fantástica, Akio, movido pelo cheiro de comida, segue seu instinto, olfato e chega a um centro gastronômico. Levado pela gula, ele e sua esposa Yuko, decidem se esbaldar, sem ao menos, aguardar por um anfitrião. Chihiro, estupefata com o comportamento dos pais, sai para explorar o lugar...
Encontra Haku - aprendiz de feiticeiro de Yubaa-ba - um garoto de 14 (quatorze) anos - o qual a orienta para sair dali rápido, enquanto ele com feitiço distraía os espíritos residentes do local...
Chihiro corre rumo ao restaurante onde estão os seus pais. Defronta-se com 2 (dois) gigantescos porcos, seus pais já transformados, por terem desfrutado da comida dos deuses. Começa “A Viagem de Chihiro”...
Apavorada corre sem rumo e encontra em Haku um amigo que a ajuda, orientando-a como proceder naquele mundo habitado por deuses e espíritos diversos...
Haku a leva para um lugar seguro e a ajuda a encontrar uma forma de permanecer naquele mundo sem ser fugitiva, motivo o qual pleiteia trabalho com o Kamaji. Este pede a Lin, ajudande de Yubaa-ba, que a acompanhe até a mesma para que possa empregá-la. Com muita insistência, Chihiro consegue uma vaga como ajudante de Lin, na casa de banhos Aburaya, de Yubaa-ba, a feiticeira gestora da cidade. Em troca a bruxa rouba-lhe sua identidade, retirando 2 (dois) ideogramas de seu nome, transformando-a em Sen... - "Sen" significa mil ou muitos.
Chihiro guarda seu nome e no momento certo utiliza-se desse recurso para se libertar do feitiço e posteriormente lembra o nome de Haku, o qual se liberta da forma de um dragão branco que se transformara...
Chihiro perseverante luta com toda a sua força interior para reconquistar sua vida, libertar seus pais do feitiço e voltar ao seu mundo junto com sua família...
Recebe ajuda de Haku, Bou, do pássaro (olhos de Yubaa-ba), Kamaji, Lin, Kaonashi, Deus Rio, da feiticeira Zeniba – irmã gêmea de Yubaa-ba - amigos, que conquistou...
Por fim, encontra com muita sabedoria uma forma de sair daquele mundo junto com a sua família e Haku promete reencontrá-la um dia...





OS PERSONAGENS
Chihiro: Protagonista e heroína do filme. Tem 10 anos, é mimada e tende a entrar em pânico quando as coisas vão mal, mas quando se propõe a fazer algo, nunca desiste. No início aparece sempre amuada, mas muda quando se vê sozinha e persiste até alcançar seu objetivo. (Supõem-se uma metáfora da passagem da infância para a idade adulta). Pode-se pensar também na questão do crescimento espiritual.
Akio Ogiro: O pai de Chihiro. É alegre, curioso, otimista, comilão, aventureiro e persuasivo. No entanto, convence a família a ir com ele rumo ao desconhecido.
Yuko Ogiro: A mãe de Chihiro aparentemente submissa é uma pessoa mais realista. Aparenta educar a filha de forma despreocupada e demonstra isso no decorrer do filme.
Akio Ogiro e Yuko Ogiro: após serem transformados em porcos, são capturados e presos por Yubaa-ba, após terem se empanturrado com a comida dos deuses. (Supõem-se tal castigo uma metáfora do desrespeito e da falta de educação). Ainda pode-se pensar na questão do oportunismo.
Haku: Tem 12 (doze) anos e trabalha como aprendiz de feiticeiro na cidade sob as ordens de Yubaa-ba, a feiticeira. Transforma-se num dragão branco. É o misterioso amigo e aliado de Chihiro, que a orienta como permanecer e sobreviver naquele estranho mundo. Sente um amor lírico pela protagonista, contudo, não se recorda de seu verdadeiro nome. Conhece Chihiro desde pequenina, mas não se lembra de onde. (Supõem-se Haku uma metáfora da força quando tranforma-se no poderoso dragão branco).
Yubaa-ba: A feiticeira é  gananciosa e muito feia. É a gestora da cidade, dona da casa de banhos Aburaya, onde, deuses e outros espectros vão descansar de vez em quando. Sua cabeça é enorme e o corpo pequeno, típico dos orientais. A sua aparência hostil, a sua capacidade de mutação para a forma de pássaro permite-lhe controlar todo o lugar. É ela quem hostiliza Chihiro mandando nela e mudando a sua identidade, trocando o seu nome para Sen, que significa mil ou muitos. (Supõem-se Yubaa-ba uma metáfora do capitalismo)
Zeniba: A irmã gêmea de Yubaa-ba é a feiticeira boa. Preocupa-se apenas com as coisas espirituais. Seu papel coadjuvante é super importante na aventura de Chihiro e de seus amigos. (Supõem-se uma metáfora da espiritualidade)
Lin: Humana e empregada de Yubaa-ba, valente e forte, ensina a Chihiro as regras da sobrevivência no novo mundo. Tem 14 (quatorze) anos, é a melhor amiga de Chihiro e a responsável por ensinar o seu novo trabalho. Sonha em conseguir dinheiro suficiente para fugir daquele mundo atravessando o oceano. (Supõem-se uma metáfora da independência precoce, no âmbito do trabalho escravo infantil)
Kamaji: Escravo das caldeiras. Tem seis longos braços e reclama o tempo inteiro. Já perdeu os cabelos, usa óculos e comanda as “fuligens animadas”, supõe-se uma metáfora dos dekasseguis (peões no Japão). Dedica-se às medicinas tradicionais. Trata Chihiro com carinho de avô. (Kamaji supõem-se uma metáfora do chefe, trabalhador, escravo do trabalho, no Japão)
Kawa No Kami: O "Deus Malcheiroso", uma criatura sem forma que sai de dentro de uma lama fétida revelando-se posteriormente um antigo e poderoso Deus Rio. Este espírito oferece a Chihiro um medicamento mágico, Nigadango (bolinho), como forma de agradecimento pelo serviço feito por ela. (Supõem-se “Kawa No Kami” ou "Deus Malcheiroso" uma metáfora da poluição dos rios)
Kaonashi: Significa "sem rosto” (sem-face, sem-cara), uma misteriosa figura meio transparente que parece representar um perigo para todos aqueles que se aproximam dele. É mudo e a sua única missão parece ser a de prender a atenção das pessoas ofertando ouro, para depois engoli-las. Torna-se um grande amigo de Chihiro. (Supõem-se Kaonashi uma metáfora da ganância)
Bou: Filho de Yubaa-ba, um bebê gigantesco e maior do que todos. É gordo, comilão e só pensa em divertir-se. (Supõem-se uma metáfora do consumismo exagerado)
Bolas de fuligem: Um exército de bolas de fuligem animadas que transportam grandes pedaços de carvão para alimentar a fornalha e as caldeiras de aquecimento das águas termais da cidade. (Supõem-se uma metáfora dos dekasseguis = trabalhadores brasileiros, escravos do trabalho no Japão)


CONSIDERAÇÕES FINAIS
•      Ganhador do Oscar de melhor Animação e do Urso de Ouro do Festival de Berlim, a história de A viagem de Chihiro é cercada de simbologias complexas e criaturas fantásticas, tão magicamente elaboradas que parecem impressionar-se umas com as outras.
•      Segundo Miyasaki, a história é para todos que tenham 10 anos e que já tiveram 10 anos. De fato, paira no filme uma atmosfera diferente, absolutamente inédita, como se reproduzisse as impressões de uma criança a respeito do mundo que a cerca. Não só os pequeninos se encantarão com o universo criado pelo autor, mas também adolescentes e adultos deixarão envolver-se pelo seu clima.
•      O enredo pode parecer um tanto complexo, mas este é o estilo de Miyasaki. No Japão, o diretor é famoso justamente pela qualidade das histórias dos filmes que produz. 


ANÁLISE CRÍTICA DO FILME (ANIMÊ) "A VIAGEM DE CHIHIRO"
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. (tradução) Arlene Caetano. 2ª. Ed. revis. São Paulo. Paz e Terra, 2007

COELHO, Nely Novaes. Literatura infanto juvenil: teoria, análise didática. São Paulo: Editora Moderna, 2000.

INTERNET
http://www.contracampo.com.br/43/chihiro.htm, disponível em  25/11/2008

FILMOGRAFIA SELECIONADA:
I - Séries de TV
“O Menino do Futuro Conan” (Mirai Shônen Konan, 26 episódios), 1978
“Lupin III” – a segunda série de TV (Shin Rupan Sansei – 2 episódios), 1980
“O Grande Detetive Holmes” (Meitantei Homozu – 6 episódios), 1982
II – Curtas Metragens
“A Semente Azul” (Sorairo no Tane), 1982
“On Your Mark” (“On Your Mark” - clipe musical da dupla japonesa Chase & Aska), 1995
“A Caça da Baleia” (Kujiratori), 2001
“O Grande dia de Folga de Toro” (Koro no Osanpo), 2001
The Castle of Cagliostro” (Kariosutoro no Shiro), 1979
Nausicaã of the Valley of the Winds” (Kase no Tani no Nausicaa), 1984.